quarta-feira, dezembro 01, 2004

Somos todos muito bonzinhos


Hoje vemos aqueles filmes sobre tempos idos, onde o povo reunido em alegre confraternização aguarda os infelizes protagonistas, para serem espectadores do espectáculo da morte.
Fosse enforcamento, decapitação ou tortura, o que o povo pretendia ao deslocar-se a tal espectáculo era simplesmente rejubilar-se com o sofrimento alheio. Ali não é a justiça que está em causa, o que os move é apenas o sangue, o suor do condenado.
Hoje podemos ver que nada mudámos em relação a esses tempos, quando vemos os arguidos do “ processo casa pia “ a se dirigirem para o tribunal, local onde irá decorrer um julgamento, para decidir se de facto aquelas pessoas serão consideradas culpadas ou inocentes e observamos a atitude das pessoas que acorrem ao local. Ninguém ainda foi julgado, mas isso parece pouco importar. O que importa é que ali cheira a sangue e há pessoas que não querem perder o espectáculo, e outras ainda, que mesmo não estando presentes o acham normal.
É da natureza humana gostar do sofrimento alheio, e se for possível sermos dele cúmplice sem com isso sermos considerados culpados, melhor ainda (na área da psicologia fizeram um estudo interessantíssimo sobre essa faceta humana, onde várias pessoas provocavam choques eléctricos noutras, e estas cientes da sua desresponsabilização provocariam a morte das outras, se os choques fossem verdadeiros, coisa que elas não sabiam; não sei onde indicar este estudo, mas ele andará por ai na net).
No entanto também somos bichos sociais, e nesse papel é natural criarmos barreiras, regras, que nos defendam de nós próprios e dos nossos ímpetos. Em oposição ao crime nós temos o castigo, e assim podemos prevenir que determinadas pessoas não cometam o crime, por medo do castigo, e assim nos regulamos, assim nos tentamos proteger. Outra forma de auto-regulaçao é a prevenção, onde se pretende criar condições para que o crime não tenha bases sociais para aparecer, ou prosperar.
Ora, num sistema social onde estas regulações sejam aplicadas, e principalmente a segunda, essa sociedade terá uma aparência de um maior humanismo, a tal ponto que as pessoas chegam a acreditar nele, e quem sabe, algumas até o tenham.
Pois então que se faça o mesmo cá, que não se permita que este espectáculo em porta do tribunal ocorra e seja considerado normal, que seja regulado de alguma forma, para que possamos disfarçar que já não estamos na idade média, e possamos pensar que já evoluímos um pouco, por forma a que a nossa perversidade, irracionalidade e barbárie se esconda, e assim andemos mais enganados, ao ponto de acreditarmos que somos diferentes, ao ponto de corrermos o risco de pelo menos alguns sermos diferentes.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tarde, quase duas semanas depois do prometido, cá está a prova concreta da minha visita aos teus pensamentos virtuais...

ladoalado disse...

Excelente post!

Anónimo disse...

so para ver se consigo comentar...
Eu, aquele que és tu.