domingo, janeiro 30, 2005

Todos os comportamentos humanos são naturais



Tal como árvores da mesma espécie que ao crescerem continuam na mesma espécie, mas com a liberdade de terem formas e feitios diferentes, por casualidades externas e internas, porque são várias as variáveis que influenciam o seu comportamento, também os comportamentos dos humanos, qualquer que sejam, são naturais à espécie humana. A questão é de visão.
Um humano pode julgar outro humano pelos seus comportamentos, e achar que eles não são naturais, que são desvios à espécie humana. Mas outra coisa que não um humano, julgaria os comportamentos de todos os humanos como sendo naturais à sua espécie. Essa coisa poderia dizer que não é natural um humano voar, mas diria que é natural um humano ter a capacidade de construir algo que lhe possibilite voar. E se algum dia um humano voasse, esse comportamento passaria a ser natural no humano.
Essa outra coisa poderia também chegar a outras conclusões. Poderia, pela simples observação, encontrar padrões, acontecimentos que ocorrem com maior frequência que outros, e poderia, se lhes quisesse dar um nome, chamar a uns, acontecimentos normais, ou mais normais que outros, utilizando a palavra normalidade no sentido em que esse acontecimento se sobrepõe, ou ocorre com mais frequência que outro,e a outros, acontecimentos anormais, com o sentido oposto do primeiro.
Tudo tem a ver com a liberdade, ou melhor, com as variáveis de liberdade. Peguemos outra vez no exemplo da árvore. O que é que a nossa observação nos pode dizer que é natural numa árvore? Ela pode dizer que não é natural a uma árvore andar, que é natural que ela cresça e se desenvolva apenas num determinado espaço. Mas dentro desse espaço a arvore ainda tem muitos padrões de liberdade. Os seus ramos, a forma do seu crescimento, o seu tamanho, a sua constituição interna e externa, a sua cor, todas estas variáveis podem mudar numa árvore, e mesmo em árvores da mesma espécie. No entanto, veremos que existem padrões entre elas, e que existem variações a esses padrões, e que uns ocorrem mais frequentemente que outros, mas tudo dentro do que observamos ser possível a uma árvore, dentro das variáveis de liberdade que ela tem. Uma couve de quatro metros de altura não é uma couve normal, mas se determinados factores se conjugarem, é possível a uma couve ter quatro metros de altura. Nesse caso, eu diria que é natural que uma couve tenha quatro metros de altura, porque a sua constituição e as suas variáveis de liberdade o permitem. Ela não deixou de ser couve por ter quatro metros de altura. No entanto, eu diria que não é normal isso acontecer, e só no sentido em que o acontecimento é raro, e apenas é raro porque as variáveis que o influenciaram, ou permitiram, são raras.
Ora, da mesma forma está um humano. Um assassino não deixa de ser um humano. Mas o seu comportamento não é normal, ou seja, o seu comportamento ocorre com pouca frequência, porque as variáveis que se conjugaram para essa pessoa se tornar numa assassina são raras. As variáveis de liberdade que a espécie humana tem permitem-lhe comportamentos assassinos, é só conjugarem-se na devida proporção. Nesse sentido, é natural ao humano ser assassino, porque está dentro da sua natureza, enquanto espécie humana, ter o potencial para o ser.
Quem diz assassino, diz todos os comportamentos que os humanos têm, que fogem da “normalidade”.
Eu não gosto da palavra normal, porque o seu oposto é anormal, e esta palavra é usada entre nós, frequentemente, com conotação negativa. Por isso eu tive o cuidado de acrescentar que o normal era o que ocorria com maior frequência, pois pretendi fugir a qualquer juízo de valor. Eu não acho que uma coisa anormal seja necessariamente negativa, e muito menos em relação ao que acabei de expor. Os julgamentos comportamentais são coisas que pertencem à parte social da espécie humana, que está muitas vezes em conflito com a natureza. Eu faço parte da espécie humana, mas não pretendo fazer aqui um juízo de valor acerca de nada, pretendo apenas expor da forma mais clara que consigo o que me parece ser uma lógica de natureza.
Eu usei o exemplo de assassino, mas podia ter posto pedófilo, homossexual, ou outra coisa qualquer. Em termos de juízos de valor, cada caso tem o seu, entre povos, e entre eras. A pedofilia ocorre com mais frequência, a homossexualidade ainda mais, e em cada caso os comportamentos são sempre humanos, são sempre naturais, mas ao longo dos tempos houve sempre choques com estes comportamentos, que, por ocorrerem com menor frequência, e por variadíssimos outros factores, foram sendo postos de parte de uma ordem social e moral que os humanos para si criaram, e que acharam necessidade de a defender, na tentativa de preservar um sistema de valores, que por sua vez ajudaria na preservação de uma ordem.
Resta-me dizer que eu não estou contra a necessidade de se estabelecer uma ordem social. Entendo que os homens e mulheres são animais sociais, que precisam e sobrevivem à conta do esforço conjunto, e entendo que não há esforço conjunto sem organização. No entanto, entendo que os problemas se resolvem melhor se procurarmos saber o máximo sobre eles. Entendo que devemos usar a razão para procurar os factos, e que estaremos mais próximos de chegar a soluções se tivermos o máximo de consciência do que nos rodeia. O universo é complexo, o mundo é complexo, a vida é complexa. Mas não estaremos mais próximos do entendimento do que nos rodeia se persistirmos em não olhar.

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Justiça?



Eu não sou advogado, nem nunca estudei leis, mas parece-me que existe, ou se não existe deveria existir, uma componente pedagógica na justiça, ou mais propriamente, nas decisões judiciais. Mais, parece-me que sem essa componente pedagógica, a justiça perde todo o seu fundamento, sendo que ela não seria mais que uma espécie de agente punidor.
Embora às vezes, ou nalguns casos maioritariamente, assim o pareça, num sistema democrático e que se quer respeitador dos direitos da pessoa humana, a justiça tem de ser, ou de ter nela, uma deontologia de clarificação, de procura dos factos, e o castigo terá que ser visto como um mal inevitável, que na falta de alternativa a esse mal, terá de ser administrado com extremo cuidado. Os sistemas sociais são extremamente complexos, adequar leis que regulam e permitem uma tentativa de harmonia nesse sistema, é igualmente complexo, e o erro, a contradição, são muitas vezes inevitáveis. Por este pressuposto, eu diria que a justiça é muitas vezes injusta.
Fazendo aqui um aparte, eu diria que a justiça é sempre injusta, se considerarmos o choque entre a pessoa individual e a pessoa colectiva, mas isso já é outra história.
E é por a justiça ser injusta, que tem de ser tratada com extremo cuidado, muito mais cuidado que muitas outras actividades, diria até, que todas as outras actividades. Porque os nossos direitos, as nossas liberdades individuais, como pessoas humanas, o nosso direito à liberdade, à vida, a nossa dignidade, são estas as coisas que estão em causa nas mãos da justiça. Por tudo isto, a justiça deveria ser das actividades mais permanentemente vigiadas, verificadas, das actividades mais facilmente maleáveis, onde o erro deveria ser o mais rapidamente rectificado, onde a morosidade deveria ser mais rapidamente atacada. No entanto, não é isso que verificamos. Não é a justiça que é cega, nós é que somos cegos em relação a ela. Parece obvio que existe alguma espécie de problema estrutural na justiça, que o seu funcionamento tem muito que melhorar. Sobre isso nada sei falar, não conheço as suas entranhas, e nem me interessa conhecer. O que me interessa é saber que ela funciona o melhor possível, que seja feita com o maior dos cuidados, que exista uma tentativa constante de aperfeiçoamento, de vigilância, e que a própria justiça esteja ela também sujeita a julgamento, que se tenha permanente que a justiça existe em favor das comunidades, e os direitos das pessoas têm de ser sagrados, em qualquer das circunstancias, e também que seja mais clara para o exterior, só numa de quando uma pessoa é presa preventivamente não ouvirmos comentários como – "eu bem sabia que ele era culpado".
E não esquecer a componente pedagógica...
Nos Estados Unidos da América (a mais antiga das democracias), a pena de morte é lei em muitos estados. O que eles querem dizer com essa lei, é que em caso algum se pode matar, que matar alguém é um crime extremamente grave, horrendo, só praticado pelo maior dos criminosos sem escrúpulos, que a pessoa que comete tal crime não merece nenhuma condescendência, sendo que só pode ser merecedora do maior dos castigos, só pode ser merecedora da morte!...eu não sei, mas parece que existe aqui uma contradição. Então mas matar não é um crime cometido por alguém sem escrúpulos? Então mas matar não é um crime tão horrendo que não merece perdão? Então mas o Estado, essa pessoa de bem, não se transformará ele também num criminoso, ao sentenciar a morte? Então e que aprendemos com isto? Afinal, pode-se matar? Não matarás, porque se matares, eu te matarei? O que é isto? Então mas o estado é alguma entidade divina? Ou o estado somos nós todos? E já agora, a guerra? Em nenhuma circunstância deves matar, a não ser que eu te mande? Onde ficamos? Que lógica é esta? Que "moral"? Que pedagogia?
Eu sei que pedagogia. É a pedagogia do interesse! É a puta da hipocrisia!
Estamos cheios dela!

domingo, janeiro 02, 2005

Saudades...


Sim, é verdade,

às vezes tenho saudades,
dos momentos imaginados que nunca tive

à memória só me vêm os sonhos,
os prazeres antigos, reinventados

e persigo o presente

tudo o resto subsiste na minha fraca memória,
na minha capacidade de sonhar
e deambular pelo vazio

e na tentativa de fechar os olhos
quando olho para a frente