terça-feira, fevereiro 26, 2008

"poema em linha recta"

Ultimamente não consigo olhar para Portugal sem me lembrar do “poema em linha recta”, do meu tão favorito Fernando Pessoa.
Portugal é um País de Deuses! De seres perfeitos! Ó, mas como eles são infelizes, obrigados a conviver com os outros Deuses, imperfeitos aos seus olhos, incapazes de uma atitude digna!
Como eu gostava, meu fofo e pequeno País, que fosses habitado por seres mortais, com defeitos e conscientes da sua ignorância, e assim pudessem usar a cabeça bem alta, não para se louvarem, mas para olharem à sua volta, e perceberem que não estão sozinhos.

E só naquela, deixo aqui o poema:


Álvaro de Campos

Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

4 comentários:

Anónimo disse...

tenho muitas saudades tuas, da tua sempre e fiel amiga, carla carreira

CELIAJOAO disse...

bem, parece que a minha irmã chegou primeiro, tenho também saudades das nossas conversas,és das poucas pessos que posso dizer tudo o que me passa na cabeça e qui ça na alma, sem estar com cuidado ou em jogos de estratégia! talvez a "gente" se cruze no natal

CELIAJOAO disse...

desculpa lá mas vou deixar aqui a publicidade:
www.sejoo.blogspot.com
beijinhos

CELIAJOAO disse...

TU VÊ LÁ SE NÃO PASSAS MAIS UM ANO SEM VIR AQUI ESCREVER QUALQUER COISINHA...... NEM QUE SEJA MANDAR-NOS À MERDA!