sexta-feira, janeiro 07, 2005

Justiça?



Eu não sou advogado, nem nunca estudei leis, mas parece-me que existe, ou se não existe deveria existir, uma componente pedagógica na justiça, ou mais propriamente, nas decisões judiciais. Mais, parece-me que sem essa componente pedagógica, a justiça perde todo o seu fundamento, sendo que ela não seria mais que uma espécie de agente punidor.
Embora às vezes, ou nalguns casos maioritariamente, assim o pareça, num sistema democrático e que se quer respeitador dos direitos da pessoa humana, a justiça tem de ser, ou de ter nela, uma deontologia de clarificação, de procura dos factos, e o castigo terá que ser visto como um mal inevitável, que na falta de alternativa a esse mal, terá de ser administrado com extremo cuidado. Os sistemas sociais são extremamente complexos, adequar leis que regulam e permitem uma tentativa de harmonia nesse sistema, é igualmente complexo, e o erro, a contradição, são muitas vezes inevitáveis. Por este pressuposto, eu diria que a justiça é muitas vezes injusta.
Fazendo aqui um aparte, eu diria que a justiça é sempre injusta, se considerarmos o choque entre a pessoa individual e a pessoa colectiva, mas isso já é outra história.
E é por a justiça ser injusta, que tem de ser tratada com extremo cuidado, muito mais cuidado que muitas outras actividades, diria até, que todas as outras actividades. Porque os nossos direitos, as nossas liberdades individuais, como pessoas humanas, o nosso direito à liberdade, à vida, a nossa dignidade, são estas as coisas que estão em causa nas mãos da justiça. Por tudo isto, a justiça deveria ser das actividades mais permanentemente vigiadas, verificadas, das actividades mais facilmente maleáveis, onde o erro deveria ser o mais rapidamente rectificado, onde a morosidade deveria ser mais rapidamente atacada. No entanto, não é isso que verificamos. Não é a justiça que é cega, nós é que somos cegos em relação a ela. Parece obvio que existe alguma espécie de problema estrutural na justiça, que o seu funcionamento tem muito que melhorar. Sobre isso nada sei falar, não conheço as suas entranhas, e nem me interessa conhecer. O que me interessa é saber que ela funciona o melhor possível, que seja feita com o maior dos cuidados, que exista uma tentativa constante de aperfeiçoamento, de vigilância, e que a própria justiça esteja ela também sujeita a julgamento, que se tenha permanente que a justiça existe em favor das comunidades, e os direitos das pessoas têm de ser sagrados, em qualquer das circunstancias, e também que seja mais clara para o exterior, só numa de quando uma pessoa é presa preventivamente não ouvirmos comentários como – "eu bem sabia que ele era culpado".
E não esquecer a componente pedagógica...
Nos Estados Unidos da América (a mais antiga das democracias), a pena de morte é lei em muitos estados. O que eles querem dizer com essa lei, é que em caso algum se pode matar, que matar alguém é um crime extremamente grave, horrendo, só praticado pelo maior dos criminosos sem escrúpulos, que a pessoa que comete tal crime não merece nenhuma condescendência, sendo que só pode ser merecedora do maior dos castigos, só pode ser merecedora da morte!...eu não sei, mas parece que existe aqui uma contradição. Então mas matar não é um crime cometido por alguém sem escrúpulos? Então mas matar não é um crime tão horrendo que não merece perdão? Então mas o Estado, essa pessoa de bem, não se transformará ele também num criminoso, ao sentenciar a morte? Então e que aprendemos com isto? Afinal, pode-se matar? Não matarás, porque se matares, eu te matarei? O que é isto? Então mas o estado é alguma entidade divina? Ou o estado somos nós todos? E já agora, a guerra? Em nenhuma circunstância deves matar, a não ser que eu te mande? Onde ficamos? Que lógica é esta? Que "moral"? Que pedagogia?
Eu sei que pedagogia. É a pedagogia do interesse! É a puta da hipocrisia!
Estamos cheios dela!

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